Ele sentou e se olhou. Sua barba havia crescido. Pensou que se sua alma tivesse metade do tamanho dela, então ele teria que passar um bom tempo no purgatório. Riu. Não era católico nem acreditava naquelas besteiras de vida depois da morte. Não podia mesmo esperar outra coisa dele. É difícil se preocupar com a vida depois da morte quando a própria morte mora em sua geladeira. Ou quando não se tem uma geladeira.


Jogou fora as fotos e aquele pequeno espelho, que continha um “porta-pó-estranho-e-fedido” e continuou a pesquisar na bolsa da madame. Era seu esporte preferido. Pegar uma madame, tomar sua bolsa e pesquisar. Estupro não. Que ele não era um sem-vergonha filho da puta. Agora, ele sabia ver as mulheres, e aquela com certeza havia piscado pra ele.

- Só não tenho paciência pra cu doce e joguinho.

Enquanto pensava no que fazer com os 100 dólares que havia encontrado no bolso do filho dela, e que agora estavam mesmo um pouco sujos de sangue, foi abrindo a carteira da mulher. Só 30 reais? O país estava mesmo em crise. Desse jeito ele teria que passar o dia roubando pra garantir sua sobrevivência.

- Mas quando aquele puto chegar não dou nem um centavo.

O “puto” era seu pai. O velho já estava mesmo velho e não ia ter o que fazer com aquele tesouro todo. Não era todo dia que ele encontrava 100 dólares. Além disso a mulher só tinha 30 reais.

- E uma puta cara de madame.

Sentiu-se satisfeito. Não pela boa transa. Nem pelo roubo, que ele tinha caráter e sabia que aquilo era sua única sobrevivência, mas não era digno. Mas porque sentiu-se bonito. Pela primeira vez em sua vida alguém lhe havia piscado. Pena ela gritar tanto, senão podia ter aproveitado mais.

Coçou sua cabeça, exatamente como um babuíno que procura por piolhos para comer. Decidiu ampliar sua cultura no Centro Cultural. Mas chegando lá foi barrado. Havia uma placa. Uma placa o proibia de seu maior prazer. E nem era de metal, era um papel mal impresso e mal colado.

- A partir de hoje não será permitidas a entrada de pessoas mal-vestidas, mal-cheirosas ou que portem qualquer objeto que atravanque os corredores.

Parou ali e ficou pensando que tipo de pessoa eles pensavam que ele era. Então uma placa mal-impressa, mal-colada, mal-feita e ainda por cima com o português errado ia chama-lo de sujo, mal-vestido e proibi-lo de seu maior prazer ?

- Oi, por favor, o que significa esta placa?

O homem o olhou de cima a baixo e deu um leve sorriso.

- Que você não pode entrar.

Ele riu. Achou engraçada aquela frase. Principalmente vinda de um homem que acabara de perder seu sobrinho.

- Cara, acabei de comer tua irmã e matar teu sobrinho, será que vou ter que te comer ou te matar pra poder ler a minha poesia diária ?

O segurança o pegou pelo colarinho. Rapidamente apertou seu pescoço e com a mesma rapidez caiu duro no chão.

O sangue estava escorrendo pelo concreto. O homem se levantou, ajeitou sua barba, cuspiu no outro e pegou sua arma, agora sem balas.

- É incrível o que a gente tem que fazer pra ter um pouco de cultura nesse país.

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