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primeiro, sonhei com o dia que aquela gaita cantaria um blues
um especialmente choroso só prá eu requebrar delicadamente
depois, quis um solo de uma guitarra desajustado e louco
daqueles que estremecem aqueles músculos visíveis apenas ao toque
quis, também, uma noite inteira de dedilhados de um baixo rouco
para eu balançar o corpo quase desnudo pela sala vazia
já desejei apenas o som da voz suave declamando amores
sussurrando delírios e criando sonhos à meia luz
hoje, exijo apenas o barulho da chuva nas folhas da figueira
para que eu possa te deixar num silêncio chapado de mim
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Ainda não se viam, mas os olhos procuravam como que hipnotizados. Olhos não se cansam de ver. Já passaram muito tempo separados, então, mais do que justo procurarem um ao outro e se encontrarem pra dar cabo à saudade que ainda queima no peito. Nem importa muito quanto tempo passou. É certo que seja um dia ou dois, muitos meses ou poucos anos, aos amantes cabe sua parte da falta que o outro fez e o desejo de reencontrar.
Ele sentou e se olhou. Sua barba havia crescido. Pensou que se sua alma tivesse metade do tamanho dela, então ele teria que passar um bom tempo no purgatório. Riu. Não era católico nem acreditava naquelas besteiras de vida depois da morte. Não podia mesmo esperar outra coisa dele. É difícil se preocupar com a vida depois da morte quando a própria morte mora em sua geladeira. Ou quando não se tem uma geladeira.

Ela se pintou e se arrumou, havia de ser hoje. Há dois meses que ela planejava o passeio com seu filho. Não queria se despedir, mas, sendo inevitável, que pelo menos ela se entendesse com ele. Pelo menos hoje.
Ele se arrumou como de costume. Sua mãe lhe diria que não se arrumou. Mas não hoje. Hoje era dia de ser paparicado. Talvez por isso vestiu sua melhor roupa.
Outro dia lembrei dela. Lembrei de lembrar dela.
Lembrei de lembrar de não lembrar dela.
E foi tudo como um sonho.

Era um e-mail dizendo que fiz uma coisa. Que não fiz, mas faria por isso não me incomodei.
E percebi que a falta que ela faz talvez não seja a falta que fazia. E percebi que talvez, afinal, as lembranças também se esvaziem.

E lembrei que era preciso escrever. E escrevi. E guardei, porque já não lembrava como era ter uma resposta. Agressão não é lembrança.Guardei mas não apaguei. Porque, afinal, lembrança é sempre lembrança.

E continuei a respirar, é o que faço melhor. Respirar e não pensar.

De vez em vez, lembrar...


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às vezes não damos atenção
muitas vezes, nem reparamos que ela está lá
mas chega um momento que ela grita
se faz perceber de qualquer maneira
e as palavras se perdem na distância
para aumentar ainda mais o eco
que só se criou hoje
quando tu te sentou ao meu lado
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Andava pelo passeio. Passeava andando na rua. Era noite. Tinha lua. E lá, no umbigo do mundo, perto, bem próximo ao muro, o Sol também já não brilhava. Nada de estranho. Um estranho a andar.
Era uma vez um planeta chamado Terra. O século é XXI. O ano é 2009. O acontecimento?
Caminha pelas ruas mas não vê nada à sua frente.
Tropeça na lembrança do último beijo.
Entra no Café do Desassossego e continua não acreditando em coincidências.
Pede um expresso. Duplo. Sem açucar que não gosta da vida muito doce mesmo.
Rabisca algumas lágrimas no guardanapo.
Abre a agenda aleatoriamente e planeja seu funeral.
Num só gole, acaba com o café.
Desmarca sua morte e não remarca o dia.
Seca o guardanapo na blusa florida.
Pede um Capuccino com chantilly.
Sai pelas ruas a procura de inspiração.
Pula uma poça e imagina seu próximo quadro.
Atravessa as ruas sorrindo e não vê mais nada à sua frente.
Morre a caminho do hospital.
Vestido deste modo o menino só poderia pensar isso mesmo, concluiu o velho, como numa sentença. Ainda assim lhe parecia um exagero o horror do garoto. Eram os novos tempos, sentenciou novamente.


Acordo. O teto continua o mesmo. Branco. Acordo. A janela mal fechada deixa escapar um resto de luz. De um Sol preguiçoso. Que se deixa esconder pelas nuvens. Nada de extraordinário. Nada de incomum. Lentamente me levanto. Aos fios dos pensamentos. Todos mal pensados. Desleixadamente surgidos na mente ainda sonada. Oníricos. Ou quase isso. Dentro de todos eles uma réstia de ponto duvidoso. Um quê de não sei bem. Uma quase certeza enganosa. Verdadeira.
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